Jornalismo de gabinete

Opinião | Sexta-feira, 16 de Março de 2012 - 17h23 | Autor: Gerson Luiz Martins


O título desta reflexão pode parecer mais um dos tantos conceitos, teorias sobre jornalismo que hoje inundam os cursos de graduação e pós-graduação em jornalismo. Muitos, principalmente jornalistas formados, estudantes de grado e pós-grado ouviram ou até mesmo estudaram newjournalism, gatekeeper, jornalismo participativo, newsmaking, agenda-setting, entre tantas outras escolas, teorias, reflexões sobre o processo de produção jornalística. Seria trágico, se não fosse cômico, pois está na contramão do que é a essência do fazer jornalístico, daquilo que muito bem Claudio Abramo pregava, ou seja, lugar de jornalista é na rua.

Afinal, o que é fazer jornalismo hoje, não se fala aqui em curso de jornalismo, sim na produção da noticia, na produção jornalística. O que é fazer jornalismo? Alguns anos atrás era muito comum as pessoas que circulam pelas cidades se depararem com os carros da imprensa. O carro do jornal X, do jornal Y, da TV Beta ou da emissora de Rádio Yota. A correria da produção jornalística, que tantos veteranos do jornalismo, nas rodas de conversa, lembram com enorme saudosismo, era intensa, disputada, a busca pelo furo, se não o furo, mas o primeiro a dar a notícia. Isso ainda existe? O único momento que se pode ver jornalistas empilhados, mesmo, na disputa da melhor imagem, do melhor som, do melhor texto ficou restrito às sessões das assembleias legislativas. O leitor pode verificar nos perfis do Facebook de alguns jornalistas as fotos de dezenas deles na antessala dos plenários na busca pelas informações. Que lamentável situação!

A maior parte dos jornalistas estão reclusos nos gabinetes de suas redações. A melhor pauta, a melhor caneta e caderno de anotações, hoje até poderia se falar sobre o melhor tablete de apontamentos, a melhor câmera, o melhor vídeo está num sujeito chamado Google! Num universo onde muitos “jornalistas”, entre aspas, não tem ainda o preparo técnico, cientifico e social, que risco mandar esses para a “rua”. Percebe-se redações pilhadas de estudantes de jornalismo, quando são de jornalismo, pois podem ser de outras áreas não relacionadas diretamente ao jornalismo. Neste quadro, sem duvida, que o melhor é deixar essa “gurizada” de molho na redação. Colocar na “rua” é muito arriscado. Basta lembrar o caso Rafael, estudante de jornalismo de uma das universidades locais que morreu quando fazia reportagem de uma competição automobilística e que foi tema de artigo nesta coluna.

O que produz um jornalismo de gabinete? Produz um jornal, revista, seja impressa ou eletrônica, um telejornal, um radiojornal repleto de notícias das agências nacionais e internacionais, quando muito o principal tema tratado, que também foi tema desta coluna, é decorrente dos boletins (B.O.) das principais delegacias. Em alguns casos, a transcrição desses B.O’s chega a ser deprimente, não há tratamento do texto e se reproduz a gíria policial. E o que mais produz o jornalismo de gabinete? Também produz coluna social. E esse produto é muito fácil de trabalhar, pois os “colunáveis” enviam para as redações suas atividades.

A produção jornalística é dissonante do jornalismo de gabinete. É mesmo uma contradição a expressão “jornalismo de gabinete”, mas é a situação mais real no contexto atual das redações. Com o crescimento dos cibermeios, dos ciberjornais esta realidade é cada vez mais presente. Há meia dúzia de jornalistas na redação e um jornalista na rua. Muitos editores podem se aborrecer com esta reflexão, mas todos sabem e conhecem bem esta realidade e que, no caso do editor ser da turma dos saudosos, isso não é fazer jornalismo. Isso não é jornalismo.

É interessante, motivador, substancial, importante observar jovens que acessam a Faculdade de Jornalismo. O espírito da busca, de desbravador, de investigador que possuem esses jovens é o que os faz buscar a formação universitária em jornalismo. Lamentável que depois de formados se reclusam nos gabinetes das redações. Para não mencionar o trabalho nas assessorias que, aí sim, é trabalho de gabinete. Espera-se que estes jovens não desistam e mantenham sempre esse espírito vivo, talvez o jornalismo volte para as ruas. Talvez as pessoas tenham, no noticiário cotidiano, um pouco mais do que B.O’s, coluna social ou esporte. No que diz respeito às plataformas midiáticas, é bom observar que o jornalismo impresso, por exemplo, não deve ser mais o noticiário superficial. E boas matérias investigativas se fazem com jornalismo de rua!



www.gersonmartins.jor.br



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